Falta poesia no mundo. Mesmo que não seja isso, está faltando alguma coisa que deixe as nossas vidas com cara de romance dos cinemas - algo que nos faça esquecer as imperfeições da nossa ínfima 'perfeição humana'. Alguma coisa cheia de intensidade para fazer vibrar cada minuto sem-graça vivido, ou apagar as lembranças ruins ao invés das boas.
Eu, por exemplo, quando penso no primeiro beijo em Carolina, só consigo me lembrar do gosto de café - que eu detesto -, do cheiro de carpete - que eu detesto -, da minha vergonha babaca - que eu detesto -, da nossa falta de paixão - que parecia engraçada. Eu poderia não esquecer o jeito como ela sussurava "não vá embora" no meu ouvido, ou a sua timidez cheia de afeto, ou seus olhos azuis e profundos, mas eu não recordo às vezes. Uma pena. Vai ver seja por isso que recordar daquela tarde seja tão penoso para mim. Apesar de tudo, não me sobra outra opção além de revelá-la para você, vocês, quem-quer-que-seja.
Depois do café derramado, não havia mais sentimentalismo para continuarmos parados nos olhando. Ela, cheia de horários e reuniões, precisava se trocar e eu, cheio de cachorros e folga, precisava voltar pra casa. Seguir meu rumo como se nada tivesse acontecido seria fácil, mas cruel e imaturo. Covarde, digamos assim. Cheio de mãos, tentei ajudar. Ela, com agilidade e precisão, recusou minha ajuda com um tapa cruel e nervoso. Havia raiva naqueles olhos que, em tantos outros encontros, estavam cheios de risos e amor por mim.
Carolina, antes correndo ao meu encontro, agora corria de mim, para dentro da Modart, num lugar onde só houvesse espaço para roupas, desejos e ela: o grande guarda-roupa. Essa coisa de filmes das editoras grandes de moda possuirem um acervo de roupas é verídico. Eu vi com meus próprios olhos. Claro, depois de seguí-la e entrar meio escondido. Não havia mais ninguém por lá: apenas eu e ela. Eu escondido no meio de uns sapatos, ela escolhendo sua nova roupa.
- Ainda bem que eu não pago por nenhuma dessas roupas!
Eu queria responder qualquer coisa, mas não tive coragem.
Pegou um vestido rosa quase-bonito e, muito antes de desatar o botão de sua atual roupa, eu apareci. Sem fumaça, cavalos brancos e cabelos bem penteados. Sem idealização: com meu all star velho, a calça jeans clara, a blusa escura, a mochila nas costas e o cabelo desarrumado - por causa da corrida até ali. Houve um grito dela e um sorriso amarelo meu. Não houve afago e carinho, mas um surto psicótico dela e dois cabides de madeira lançados contra mim, um deles desviei com a mão, o outro me acertou na testa. Abaixei e contive o chingamento de dor.
Aqui tudo parece exatamente igual aos livros de amor: Carolina se abaixa e volta a me olhar com olhos cheios de perdão e paz. Eu, ao sentir o seu abraço, volvo os olhos pra cima e esqueço o galo imenso prostado na minha testa. Nenhuma palavra. Nenhum som, além daquele "tum tum tum tum" brega de corações apaixonados. Assim, abaixados no meio de um closet gigante, aconteceu nosso primeiro beijo - com gosto de café e chantilly barata.
O amor não poderia ser mais cafona que isso.
Depois que eu desliguei o telefone naquela tarde - quase noite -, depois de dizer um "Eu também te amo, Carolina" de peito aberto e voz amável, pude dormir tranqüilo e por uma noite toda, coisa que nunca mais faria depois daquela tarde de quarta-feira cheia de despedidas, França, amores franceses, São Paulo e solidão. Na minha vida, o arco-íris aparece antes da tempestade.
Viva às tempestades, aos copos d'água e aos provérbios!
Viva à quem sofreu um amor cafona!
Viva à solidão das cobertas frias do inverno!
Viva ao que quiser, pois agora estou indo embora.
Boa noite,
Stefano.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
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